segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Projeto Gregorian



Boa noite, galera! Achei isso simplesmente fantástico, e quis compartilhar com vocês. 



Gregorian é um projeto musical alemão, liderado por Frank Peterson, cantando cantos gregorianos inspirados em versões modernas das músicas pop e rock dos anos 60708090 e 2000. É principalmente produzido pela Nemo Studio e várias outras gravadoras da Europa. Um dos mais bem sucedidos projetos pop de fusão clássica, Gregorian mistura pop e rock com cantos gregorianos.
Originalmente, Gregorian foi considerado como mais um grupo pop-oriental no estilo de Enigma. Seguindo esta ideia, foi gravado o álbum de 1991, Sadisfaction, com os vocais feitos pelas cantoras do The Sisters of Oz: Susana Espelleta (que na época era a mulher de Peterson) e Birgit Freud. Entretanto, este foi só um álbum deste estilo, que mais tarde (oito anos depois) conceberia o projeto Gregorian.
Em 1998, Peterson e seu pessoal reinventaram o projeto para transformar sons populares em estilos gregorianos. Os critérios para a seleção de música foram estritos; para ser considerada, ela precisava ser traspassável em uma escala de 7 tons. Depois, com as músicas escolhidas, foram contratados doze vocalistas, previamente escolhidos através de uma sessão de testes de coro.
Cada álbum de Gregorian é inicialmente digitalizado e monitorado pela Nemo Studio, um estúdio do Peterson que fica em Hamburgo. Os cantores, em seguida, gravaram partes da música em uma igreja com a atmosfera de trêmulas luzes e velas, condizendo com o que Peterson havia dito em uma entrevista em 2001 como uma "Fria e Técnica" atmosfera de um estúdio.
Saiba mais em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gregorian


Conhecendo um pouco do trabalho do Gregorian:




Stairway to Heaven - Led Zeppelin




Imagine - John Lennon




My Immortal - Evanescence




Sweet Child o' mine - Guns ñ Roses




The Unforgiven - Metallica





Espero que tenham gostado, meus queridos!

Forte abraço!


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Ossos do Ofício - Parte III - Final

“Ouça a voz do passado
Você vai descobrir por último
Há uma indagação que está esperando por você e sua alma”

(Vampire Killer – Battleroar)



Quando parecia prestes a ser esmigalhado pelas garras afiadas do monstro, Julian se esquivou com uma tranquilidade assombrosa, como se toda a agilidade do oponente fosse nada para ele. O rapaz era perito em várias artes marciais, sendo, entretanto a sua favorita o Karatê. Por isso, esticou a perna, erguendo-a de modo reto, firme, e desferiu um poderoso chute frontal que explodiu em cheio no rosto do demônio bebedor de sangue, fazendo-o voar de costas e bater contra um poste, no qual permaneceu apoiado alguns segundos, um tanto atordoado. Tentou um novo ataque, mas Julian se aproximou e, girando o corpo com fantástica destreza, fustigou-lhe o peito com um novo, possante pontapé, lançando-o ao chão com uma cambalhota grotesca.
Nesse ínterim, o terceiro vampiro conseguiu se desvencilhar do espanto e usou suas unhas afiadas para produzir três cortes sangrentos nas costas do jovem caçador, que se curvou momentaneamente com uma careta de dor. A mulher soltou um grito abafado, temendo pela vida de seu herói. A fim de evitar um novo ataque, Julian se lançou para o lado, rolando pela rua molhada, afastando-se de seu adversário.
O problema dos vampiros é a sua arrogância. Consideram-se seres extremamente superiores, os supremos ocupantes do topo da cadeia alimentar. Subestimam os humanos, tratam-nos como vermes, ridicularizam sua capacidade de raciocínio e seus instintos de sobrevivência. E esse erro costuma ser letal. Ao ver Julian encolhido no chão, meio agachado, o monstro julgou que o combate estava ganho.
Enlouquecido pelo cheiro do sangue que escapava das costas dilaceradas do mortal curvado, o assassino sobrenatural rugiu e se arremessou ao ataque, já antegozando o sabor do líquido vermelho e vital. Quando estava a um passo do jovem caçador, o mesmo moveu a mão com rapidez fatal e algo em sua mão brilhou à luz amarela dos postes. A lâmina abençoada do punhal enterrou-se com precisão na garganta do vampiro, rasgando a carne flácida, pálida e morta, como faca cortando manteiga quente.
Desesperado, o ser das trevas se ergueu de um salto e arregalou os olhos inumanos. Levou as mãos cadavéricas ao pescoço, tentando estancar o vazamento de sangue pútrido e malcheiroso, negro como o petróleo, mesmo ciente de que a tentativa era inútil. Sabia ser a lâmina do punhal feita de prata pura, e que aquele ferimento jamais cicatrizaria. Com um gargarejo sinistro, o vampiro deu dois passos cambaleantes em direção ao caçador, tropeçou e caiu de joelhos, antes de tombar de bruços e ficar imóvel, esvaindo-se em sangue escuro.
Julian se ergueu, limpando o punhal na manga de couro de sua jaqueta preta enquanto fitava o inimigo em quem assestara dois pontapés devastadores, pois o bicho estava praticamente recuperado e preparava-se para atacar. Quando o monstro se moveu, rápido como o vento, Julian já tinha guardado o punhal e estava retirando algo de dentro da jaqueta. O vampiro apenas percebeu o que era quando ouviu três estampidos secos e sentiu as balas banhadas de prata perfurando-o impiedosamente.
 Com seus olhos malignos arregalados e cheios de surpresa, o vampiro frustrou-se ao sofrer a destruição final pelas mãos de um mero mortal. Aquele que fora esfaqueado na garganta também havia sido destruído para sempre. Sem exibir qualquer traço de fadiga pela cruenta batalha que acabara de travar, Julian se voltou para o filho das trevas que estava agonizando no chão, aquele que havia sido atingido pelo shuriken. A pistola apontou para a cabeça da criatura, cuspiu fogo e logo em seguida, manipulada com desenvoltura pelo caçador, mudou de ângulo e disparou novamente, dessa vez em direção ao coração do monstro, que se desfez em uma nuvem de cinzas. Tudo terminado.
A mulher, ainda sentada no meio da rua, tomada de absoluto espanto, observava o bravo cavaleiro sagrado, o qual, surgindo das brumas da noite como uma anjo enviado à Terra, a defendera de três demônios poderosos e os vencera, de um modo completamente improvável. Estava emudecida de assombro e apenas o observava.
Seguiu-o com os olhos enquanto ele se certificava que os três vampiros haviam sido definitivamente liquidados. Depois, viu-o abaixar-se e recolher cuidadosamente as cápsulas vazias resultantes dos disparos que havia feito com sua pistola. Lançando um olhar satisfeito à cena de seu bom combate, o jovem dirigiu então sua atenção para a mulher que acabara de salvar. Sem dizer nada, ele se abaixou e começou a recolher as sacolas do supermercado, das quais muitos produtos, como latas de conserva, tinham se espalhado pela rua. Agilmente ele reuniu tudo e conseguiu colocar as várias alças das sacolas presas firmemente em sua enluvada mão esquerda. Caminhou até a mulher e olhou-a nos olhos, um olhar de compaixão pura.
- Você está bem? – ele perguntou jovialmente.
Ainda sem conseguir articular as palavras devido o choque da situação, ela fez que sim com a cabeça. Com um sorriso satisfeito ele estendeu a mão para ajudá-la a se erguer. Ela aceitou a ajuda e, quando estendeu a sua mão, sob a luz amarelecida dos postes, a qual fornecia um tom sépia à cena, o olhar do jovem caçador caiu sobre as costas da mão dela.
O rosto de Julian não demonstrou a reviravolta emocional que houve em seu íntimo naquele momento. Ele vacilou, mas foi só por um segundo. Seu senso de profissionalismo jamais permitiria que sua subjetividade interferisse em algo durante uma missão, ainda que fosse um caso como aquele. Depois de olhar e segurar a mão da mulher, o rapaz fitou-a nos olhos de forma indecifrável e a amparou para que se erguesse. Ela estendeu os braços para segurar as sacolas, mas ele se recusou a entregar. Acompanhou-a até a casa dela, que não estava longe. Enquanto ela apanhava a chave no bolso e destrancava a porta, ele esteve de pé, vigilante.
Mesmo com as compras no colo, os olhos treinados dele perscrutavam a noite em todas as direções, prontos para captar o menor sinal de perigo. Quando ela abriu a porta, acendeu as luzes e viu que a casa estava segura, só então Julian entregou a ela as compras. A mulher, cheia de gratidão, o observou com carinho. Por que será que aquele rapaz lhe parecia tão familiar?
Com os olhos lacrimejantes, ela segurou a mão dele e beijou-a diversas vezes, agradecendo e abençoando-o infinitamente. Ele sorria, meio sem jeito. Julian estava um pouco lívido, os lábios franzidos, o suor querendo brotar das têmporas. Ele deu um tapinha amistoso no ombro dela e, sem dizer nada, virou-lhe as costas, caminhando rapidamente em direção à sua moto, estacionada perto da igreja, do outro lado da esquina.
Enquanto andava, ele sentia a intensidade do olhar dela em suas costas. Ela devia julgá-lo uma espécie de anjo, ou algo parecido. Não podia culpá-la; ela vivera muitas coisas fantásticas, muitas emoções naquele dia. Julian sentia-se dentro de um mundo irreal, etéreo, como se caminhasse nas nuvens. Sentia como se uma represa emocional em seu interior, há muito esquecida e considerada por ele inexistente, houvesse se rompido.
Na mão direita da mulher ele vira uma marca de nascença, a qual consistia num tipo de cruz chamuscada, meio borrada. Aquilo o havia atingido em cheio, de tal forma que até se esquecera da dor nas costas, onde as unhas do vampiro haviam feito um estrago considerável. A visão daquele sinal na mão dela o congelou, pelo simples fato de que em sua mão direita, sob a luva, ele trazia a mesma marca.
Enquanto caminhava, com o coração aos pulos, ele sabia que não podia olhar par trás. Embora conhecesse agora o endereço dela, não devia jamais voltar ali. Julian a ter encontrado era uma fraqueza que poderia ser explorada pelos inimigos. Esses eram os ossos do ofício, sobretudo quando os ossos eram o próprio ofício. O caçador deveria desaparecer; se ficasse por perto, a exporia a riscos desnecessários e perigos sem medida. Tivera vontade de abraçá-la, de dizer tantas coisas, mas não pudera. Melhor assim. Agradeceu a Deus em silêncio pela oportunidade de ter conhecido sua mãe. Nem todas as pessoas adotadas tem essa sorte.
Alcançou a moto molhada pela garoa e passou a mão enluvada pelo banco, tentando secá-lo o melhor possível. Subiu na máquina, pôs o capacete, ajustou-o na cabeça e o abotoou. Introduziu a chave na ignição, girou e acionou o botão de partida elétrica. Não olhou uma vez sequer para a casa da mulher. Colocou o veículo em movimento e partiu.
Olhou atentamente para o céu nublado de onde despencava a fria garoa e tentou colocar os pensamentos em ordem. Acelerou fundo a motocicleta e se afastou chispando pela rua deserta noite adentro, na tentativa desesperada de que o ronco possante do motor abafasse as vozes gritantes dentro de sua cabeça e dentro de seu coração.

Fim


Danilo Alex da Silva


Salve meus queridos! Espero que tenham gostado do conto! Como sempre agradeço o carinho e o apoio. 

Forte abraço!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ossos do Ofício - Parte II



“Um rodopiar da corrente, a escuridão, a chuva
A fúria, a dor e o seu poder que surge,
                  Matador de Vampiros!”

(Vampire Killer – Battleroar)




Lentamente os três vampiros se voltaram e fixaram um olhar embasbacado na silhueta do jovem que se achava a poucos metros deles. Um rapaz de estatura mediana, bastante musculoso e metido em roupas escuras de couro os fitava de volta de modo despreocupado, com um meio sorriso flutuando nos lábios. Então os três monstros se entreolharam significativamente. Aquele devia ser apenas mais um maluco; um boyzinho metido a motoqueiro que enchera a cara e estava à procura de encrenca.
Julian riu daquele trio de patetas. Eram mesmo novatos, não sabiam realmente onde estavam se metendo. Não faziam ideia de que estavam a caminho da destruição final e total. Devido àquela noite, por estarem naquele lugar, na presença de Julian, a juventude eterna e a imortalidade não eram mais uma opção para eles.
- Perdeu o amor que tem à sua vida, pirralho? – rosnou o vampiro que perguntara à mulher se ela tinha fogo – Isso é uma conversa entre adultos; dê o fora daqui antes que se machuque.
Ignorando deliberada e atrevidamente o aviso do ser das trevas, Julian deu vários passos em direção ao grupo de atacantes. Do chão, a mulher assistia a tudo completamente estupefata. A garoa irritante, descendo em redemoinhos pela noite fria, encharcava a todos.
- Vocês são muito ousados em vir caçar justamente aqui. – disse Julian enquanto se aproximava, as mãos pendentes ao longo do corpo, como um cowboy prestes a entrar em duelo.
Ignorando os inimigos que o fitavam com olhos chamejantes de ódio e expondo seus diabólicos dentes pontiagudos de predadores noturnos, Julian se deslocava rumo a eles sem pressa nem medo.
- Estou aqui tentando entender o que os trouxe a estas paragens, perto de um templo. Só há duas opções para explicar isso: ou vocês são muito corajosos, ou muito tolos.
Pousando os tranquilos olhos castanhos nos inimigos que o encaravam rosnando, o rapaz deu de ombros e acrescentou:
- Enfim, tanto faz. O motivo não fará diferença quando eu enterrar a estaca em seus corações.
- Disse a formiga aos três leões... – debochou um dos vampiros e os outros riram.
Então, os monstros se esqueceram da mulher caída por alguns instantes e se voltaram para o jovem que os confrontava de maneira tão suicida. Queriam beber de suas veias primeiro. Depois, pensariam novamente na mulher, que naturalmente não iria a lugar algum, estava apavorada demais para tal. Percebendo que os demônios chupa-sangue vinham em sua direção, Julian fechou os olhos por um instante, para surpresa de seus inimigos.
O jovem incompreensivelmente abaixou a cabeça e cerrou os olhos. Sua figura era imponente, lembrava o poderoso arcanjo Miguel em adoração a Deus enquanto esmagava com o pé a cabeça do Diabo, como se vê nas pinturas onde os artistas retratam essa épica luta entre o Bem e o Mal.
Subitamente Julian abriu os olhos e ergueu a cabeça, cravando seu olhar diretamente nos olhos mortos das criaturas. Algo nele parecia diferente; os monstros viam uma divina aura de fogo emanar do caçador, como se ele tivesse sido celestialmente iluminado. O olhar que lançou aos adversários os paralisou por instantes. Traçando em sua própria testa o sinal da cruz com o polegar, Julian recitou:
- “Bendito seja o meu Senhor, meu rochedo, que treina minhas mãos para a batalha, meus dedos para o combate.”
O guerreiro de Deus estava pronto para o confronto. Os vampiros o fitavam com um misto de assombro e temor, pensando que talvez tivessem se enganado a respeito daquele jovem mortal. Suas unhas se transformaram em garras funestas, e os monstros se retesaram, prontos para saltar sobre o rapaz. Temendo pela vida de seu louco salvador, a mulher começou a mover os lábios em uma aflita prece silenciosa.
O primeiro vampiro saltou, atacando de forma veloz e selvagem como um leão da montanha, mas Julian estava atento. Antes que a fera o alcançasse, algo zuniu. Um shuriken, com um giro sibilante, cortou o ar e o peito do monstro. Quando as pontas da lâmina se cravaram no corpo da criatura, a mesma ganiu e caiu pesadamente de costas, envenenada pela prata injetada em si pelo pequenino, porém poderoso artefato arremessado pelo caçador.
Vendo o primeiro inimigo tombar fora de combate, Julian entrou em posição de luta e ergueu as mãos para proteger a guarda, esperando a investida do próximo adversário, que não demorou a acontecer. Apesar da imensa surpresa por ver o companheiro cair tão logo a batalha começara, o próximo vampiro rugiu como um leão e se atirou contra o humano. O valoroso guerreiro viu a besta crescer diante de si e esperou até o último momento para revidar. Julian não sentia medo ao confrontar aquele mortífero ser que se aproximava a uma velocidade meteórica, os olhos  sobrenaturalmente negros faiscando de maneira diabólica. O jovem, em plena guerra, se encontrava firme e inabalável como os Montes de Sião.

Continua...

Danilo Alex da Silva

  

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Ossos do Ofício


“Você vai mostrar-lhes todos os seus truques
Suas armas são uma lenda
A corrente de aço santo
E o escudo sagrado”

(Vampire Killer – Battleroar)





Quando estacionou sua imensa motocicleta nos arredores da igreja de São Carlos, Julian imaginou que aquela fosse apenas mais uma noite de trabalho qualquer. Girando a chave na ignição, viu o robusto tanque de combustível diante de si estremecer. Julian então sentiu a trepidação da monstruosa moto, e ouviu o motor possante desligar-se com um ronronado. O potente farol apagou-se repentinamente, como um olho sonolento que se fecha na escuridão.
Julian consultou o relógio e constatou que passavam das vinte e duas horas. Parecia pura rotina: recebera uma mensagem dos informantes da Ordem, a qual explicava a aproximada localização dos objetivos. Seus alvos se moviam rápido, tinham apenas a noite para si, mas eram presos a certas regras, padrões, horários e locais. Era inerente à sua natureza animalesca. A mesma natureza paradigmática que, embora fossem inimigos ferozes e ardilosos, os fazia vulneráveis e previsíveis para profissionais como Julian.
Aqueles alvos estavam ousando muito em caçar perto de uma igreja, por dois motivos: primeiro, porque nos arredores de igrejas sempre havia grandes quantidades de Observadores da Ordem. Segundo, porque solo santificado os enfraquecia, e a maioria deles preferia evitar locais como aquele. Então, para Julian só havia duas respostas: ou as criaturas eram jovens demais e desconheciam o perigo que corriam por estar naquele lugar, ou eram velhas e poderosas demais para se importar com detalhes como aquele.
Correndo os olhos castanhos ao redor, e tendo certeza de que a rua estava deserta, o jovem motociclista pela milésima vez enfiou a mão por dentro da jaqueta de couro preta, própria para pilotagem, a fim de conferir se seus instrumentos de trabalho estavam onde deveriam. Tranquilizou-se ao sentir que estavam. Seu trabalho não permitia erros; nunca havia uma segunda chance. Ou se cumpria a tarefa com perfeição, ou se pagava o preço, que era altíssimo. Por isso ele era tão sistemático, o que o tornava tão bom no que fazia.
Algumas horas antes, no quarto que lhe haviam destinado no quartel-general secreto da Ordem, lenta e cuidadosamente ele havia amolado seu punhal de prata e afiado uma dúzia de estacas de madeira embebidas em água benta; também tinha desmontado, limpado e recarregado sua pistola automática de treze tiros, modificada para disparar balas banhadas a prata,  com o sinal da cruz entalhado em suas pontas. Uma arma formidável de cor preta e cuja coloração negra era fosca, para evitar que brilhasse e despertasse a atenção dos demais ao ser empunhada.
 Ainda por dentro da jaqueta e numa tira de coro presa na coxa, ele trazia algumas armas brancas leves e de fácil manuseio, como adagas e shurikens, aquelas lâminas japonesas com pontas, próprias para arremesso, chamadas popularmente de “estrelas”, amplamente utilizadas pelos ninjas do cinema. Tanto as adagas quanto os shurikens eram feitos de prata, porque esse metal, de uma inexplicável e mística maneira, era letal para seus oponentes. Aquelas armas eram grandes recursos nas mãos do jovem Julian, pois ele as atirava com maestria; habilidade adquirida durante muitos anos de treinamento, o qual se iniciara quando ele era apenas uma criança, vinte anos antes.
Quando ainda era um bebê, Julian foi doado a um orfanato pela mãe que não tinha condições de criá-lo. Ele não tinha ressentimentos de sua progenitora; pelo contrário. Era grato por ela lhe ter dado a oportunidade de nascer. Nem todas as mulheres despreparadas para a maternidade agiriam como ela. Por isso, Julian sentia-se grato por estar vivo. Mesmo sem nunca ter visto o rosto da mãe, ou sequer saber algo sobre ela, lembrava-se dela em cada oração como forma de agradecimento pelo presente da vida. Sim porque, graças a ela, Julian podia salvar pessoas.
Fora criado até os cinco anos nesse orfanato. E então, a Ordem o descobriu. Revelou-se um garoto com um fantástico coração altruísta, muito inteligente e apto, capaz de se tornar um soldado como poucos. Julian viu-se acolhido por uma fraternidade mística e secreta, que combatia perigos inimagináveis à maioria dos seres humanos. O Mal além dos olhos. Inimigos sobrenaturais. Aquilo que muitos consideravam histórias da carochinha era o ganha-pão do jovem Julian. Localizar. Caçar. Destruir.
Seres que saíam à noite para tirar vidas humanas eram o alvo do poderoso guerreiro. Cresceu familiarizado com armas brancas e de fogo. Intenso treinamento físico para disciplinar o corpo e a alma. Artes marciais diversas para transformar o corpo resistente e viril em uma máquina de matar monstros. Aulas teóricas e práticas de estratégia e como localizar e liquidar as crias das trevas. Treino rigoroso em infiltração, furtividade, disfarce.
 Muito estudo sobre várias ciências, culturas, literaturas, para que soubesse usar a arte da fala e da escrita para caçar, sobreviver, e escapar de alguma situação em que precisasse despistar seres humanos, tais como policiais. Instrução em valores éticos, morais e religiosos, o que contribuía para forjar a mente do guerreiro, moldar seu caráter e conscientizá-lo dos ideais supremos que deveria servir, sendo o principal amar e defender todos os seres humanos das criaturas infernais que brotavam no mundo quando a noite se avizinhava.
Enfrentando esse processo de preparação ao longo de anos, Julian finalmente foi submetido ao severo teste final. Depois disso, ritual de iniciação e um juramento sagrado que, uma vez proferido, o ligou para sempre à Ordem e aos seus novos irmãos. Esse era o Julian que a Confraria preparara. O gosto obsessivo por motocicletas, garotas e rock and roll ele adquirira por conta própria. E gostava imensamente de seu ofício, principalmente quando caçava alvos como os daquela noite. Vampiros. A Julian era muito gratificante eliminar aquela escória do mundo, resgatar pessoas das garras horrendas dessas sanguessugas infernais. Era morbidamente divertido finalizar com os vamps. Quase experimentava uma espécie de prazer culpado. A única parte ruim era aquela; permanecer de campana, morrendo de tédio e de frio.
Estava imerso nesses pensamentos quando um ônibus dobrou a esquina bufando e se aproximou, roncando ruidosamente dentro da noite gelada, cortada por uma garoa insistente e irritante que umedecia implacavelmente as ruas desertas. O imenso veículo passou por Julian, inundando fugazmente com sua claridade exagerada o jovem e sua motocicleta parados aparentemente de modo ocasional na esquina; o rapaz parecia entretido com um celular.
O ônibus quase vazio se deteve na esquina, a cerca de vinte metros de onde o caçador se encontrava. Apenas um vulto desceu: uma mulher metida em um grosso e pesado casaco impermeável, carregando um monte de sacolas e embrulhos de supermercado. Sozinha, meio cambaleante devido o peso das compras, sem reparar em Julian, ela mal esperou que o lotação se afastasse e, meio curvada, caminhou em direção a uma rua estreita nas proximidades. No meio da noite, sozinha, tão indefesa, vulnerável. Uma vítima perfeita para aqueles malditos vampiros.
Julian refreou a custo o desejo inato de ajudar a senhora com as sacolas. Conseguiu se conter; sabia que poria tudo a perder se chegasse perto dela naquele momento. Infelizmente ela tinha de servir de isca, pois, caso contrário, os chupadores de sangue do Diabo não apareceriam.
Enquanto a mulher caminhava o mais rapidamente que podia para chegar logo em casa, Julian, observando de longe e tomado de impaciência, aguardava que os atacantes surgissem para que ele cumprisse sua missão logo. Se corresse, talvez ainda pudesse alcançar os rapazes no Hurricane e tomar com eles uma cerveja. O Hurricane era o tipo de bar que atraía inexplicavelmente os caçadores da Ordem, talvez pelo ambiente bem decorado, onde podiam ouvir boa música e degustar uma bebida com os amigos, ou talvez porque aquele era um estabelecimento onde todo e qualquer tipo de informação sobre o Reino das Sombras era trocado como selos por colecionadores entusiásticos. Seja como for, Julian queria estar lá; o Hurricane era seu destino certo após a realização daquela tarefa.
Então, algo mudou. Julian sabia, seus instintos de caçador estavam alerta, e seus sentidos afinados lhe indicavam a presença inimiga. Sinais quase imperceptíveis, que jamais escapariam ao olhar perspicaz do jovem soldado. A temperatura caindo dez graus. Luzes dos postes falhando simultaneamente. Um odor fino e desagradável flutuando na noite. Algo mudava no ar, uma espécie de eletricidade malévola se condensava numa atmosfera repulsiva onde o ataque ia ser desferido. Julian não precisou de mais nada para que a certeza varresse seu bravo coração: os demônios bebedores de sangue estavam ali. Por isso, ele preparou-se.
Logo adiante, a mulher carregada de compras também pressentia algo ruim na noite, um gemido baixo e agourento trazido pelo vento a fazia apertar o passo o máximo que podia sem derrubar todas as sacolas. A rua deserta e silenciosa subitamente parecia ter se enchido de sussurros fantasmagóricos. As sombras se transformaram em espectros assustadores que percorriam as paredes das casas silenciosas, projetados contra a garoa noturna pela luz amarela e mortiça dos postes. A dança das sombras causava medo no coração daquela senhora, e ela não via a hora de estar em casa. Sem que ela percebesse, um vulto alto surgiu às suas costas, veloz a ponto de se tornar um borrão, e silencioso como uma alma penada. Num instante a sombra não estava ali, e no outro já estava, como se tivesse brotado das entranhas da terra. Observava as costas da mulher receosa que rumava para casa. O sombrio recém-chegado abriu a boca e disse com voz gutural, nada semelhante ao timbre de um ser humano:
- Boa noite, senhora. Tem fogo?
Estremecendo de susto, a mulher voltou a cabeça rapidamente e olhou de relance para seu estranho interlocutor, o qual se aproximara sorrateiramente e por isso não fora notado.
- Desculpe, mas eu não fumo. – respondeu ela com voz trêmula, dando a conversa por encerrada enquanto buscava se afastar ligeiro do desconhecido. 
- Na verdade, eu também não. – quando o homem respondeu, já estava ao lado dela.
 Como podia ser aquilo? Movera-se a uma velocidade sobrenatural para alcançá-la. Levando outro susto, a mulher olhou para o sujeito ao seu lado e largou as sacolas, que se esparramaram pela rua molhada. O medo apertava seu coração, que pulsava acelerado. Abafando um grito de horror com a mão, ela recuou pé por pé, afastando-se sem dar as costas. De repente, esbarrou em algo. Ao se virar, constatou ser outro indivíduo, tão estranho quanto o primeiro, barrando-lhe o caminho. Ofegante, de olhos arregalados, ela começou a recuar de ré em outra direção, sem dar as costas para os estranhos, e então tropeçou em um terceiro sujeito.
Tentou correr, mas esse último a empurrou, fazendo-a cair pesadamente no meio da rua, indefesa e em pânico.
- Quem são vocês? O que querem? – balbuciou ela, agora com as lágrimas correndo livremente pelo rosto ainda bonito, a despeito da idade – Olha só, não precisam me machucar, na minha bolsa tem dinheiro e...
- Calada. – rosnou o primeiro raivosamente – Não é dinheiro que queremos. Você tem algo muito mais interessante para nós.
Meio sentada na rua úmida pela garoa, a mulher percebeu que seus interlocutores eram mais sinistros do que esperaria. Homens com roupas escuras, muito pálidos, com olhos negros como piche, que brilhavam de modo bestial, ocupando toda a órbita, como globos oculares de um assassino psicopata. Quando esbarrara neles, sentira que sua pele era fria como a de um cadáver. E agora ela estava ali, acuada entre os três como um coelho apavorado, enquanto eles a fitavam da mesma maneira que raposas olhariam para um frango.
Os estranhos haviam se aproximado sem produzir qualquer tipo de ruído, pois ela tinha uma audição muito boa e estava certa de não ter ouvido qualquer som de passos. Os sombrios recém-chegados abriram a boca e exibiram seus caninos longos e pontiagudos. Não eram dentes de homens, eram dentes de lobo. E aqueles não podiam ser homens, só podiam ser demônios noturnos que a vinham matar.
 Em silêncio, sabendo-se em seus últimos momentos e prestes a experimentar uma morte horrenda e dolorosa, a mulher abaixou a cabeça. Com o rosto banhado em pranto, iniciou uma oração silenciosa enquanto os monstros riam e arreganhavam as presas à sua volta. A mulher mal tinha começado a rezar quando a voz possante e autoritária de Julian invadiu a rua, tomada por um tom quase jovial de tão cínico:
- Seres imundos, malditos e covardes! É por isso que cada noite gosto mais de mandá-los de volta para o Inferno.

Continua...

Danilo Alex da Silva


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Vamos acabar com essa folga



O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

— Isso é comigo?

— Pode ser com você também — respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

— Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.

Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Carta do seu guardião



"Olá! Talvez você não me conheça, mas eu conheço você. Desde quando? Desde sempre. Acima das nuvens eu existia desde o princípio, num reino de plenitude, glória e luz. Eu assisti quando Deus sonhou e criou você. Vi teus primeiros movimentos no ventre materno. Testemunhei seu nascimento: foi um dia iluminado na Terra e festivo no Céu.
Então, me designaram para cuidar de ti. Sim, fostes meu presente mais belo dado por Deus.  A partir daí, não sou mais o mesmo. Os milênios passam por mim da mesma forma que os segundos passam por ti, e sou imutável e eterno. Meu Pai, que também é vosso, criou-me assim. E após aquele momento, eu já não era o mesmo, pois aprendi a amar-te. Um amor tão devotado que é capaz de amenizar a saudade que tenho de casa e a falta que sinto de meus irmãos.
Amo-te com tuas virtudes e defeitos. Erros e acertos. Sorrisos e lágrimas. És um ser perfeito em suas imperfeições. Existo para cuidar-te. Sua segurança é prioridade para mim. Jamais te abandono. Você é para mim o bem mais precioso do universo, e eu faria qualquer coisa para salvar tua alma.
Por ti, eu enfrentaria sozinho mil demônios, e desceria até o Inferno se preciso fosse. Minhas asas te envolverão durante cada batalha e nunca desviarei meus olhos de ti. Nunca cochilo. Jamais me distraio. Guio você e zelo por teu sono. Estou contigo nos dias mais tristes e nas noites mais sombrias. Ainda que não saibas. Ainda que não acredites. Ainda que me ignores.
Extasio-me com cada sorriso teu, e estremeço de dor a cada vez que uma lágrima rola por sua face. Vibro com cada acerto seu, e me prostro diante de Deus, banhado em pranto, para interceder por teus erros. Fui teu ontem, sou teu hoje e o serei amanhã.
Existe uma morada preparada para ti na cidade celeste, e meu maior desejo é que você a habite. Trabalharei para isso sem descanso, sem cessar. Cumprirei minha missão, custe o que custar. Se eu falhasse, meu fardo seria a melancolia eterna e sua alma em perdição; por isso, não fracassarei. Não posso, não devo nem vou.
Dores virão, assim como tristezas e sofrimento, mas vou estar junto a ti. Passaremos por isso juntos, como fizemos sempre, embora não soubesses que eu estava lá. Cada vez que se ajoelhou para falar com Deus, cada vez que chorou por pensar estar só...
Nunca esteve só. Confie em Deus, e confie também em mim. Vão dizer que não existo, que sou história da carochinha, que vocês estão todos abandonados. Por vezes o racional desafia o espiritual. Espanto-me às vezes em ver como os humanos tendem a acreditar no Mal, ao mesmo tempo em que duvidam tão persistentemente do Bem. Mas você precisa ter fé; ouça seu coração, ele consegue sentir minha presença. Estou aqui.
Devo me despedir agora. Nenhum de nós alguma vez já escreveu para seu protegido, nossa comunicação com os mortais é restrita, apenas permitida em ocasiões urgentes. Provavelmente serei punido por redigir essa carta. Mas eu precisava.
Não posso mais suportar ver você sofrendo tanto, caminhando solitariamente, tão distante... Era necessário dizer que não tens de lutar só. Conte comigo. Estou bem aqui. Pronto a te ajudar. Leia esta carta sempre que precisar.

Assim se despede aquele que te ama de maneira atemporal

O anjo mais honrado de toda a Criação

Eu, o seu guardião."


Por Danilo Alex da Silva



Anjo de Deus, meu querido guardião, a quem o amor de Deus me confiou, esteja hoje e sempre ao meu lado para me iluminar e guardar, governar e guiar. Amém


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Exortação



Sentimentos ilusórios,
Juramentos transitórios
A vida em alucinada rotação
Devorando corações imersos em lágrimas.

Gritos aprisionados em redomas vítreas de silêncio
Vozes veementes caladas por gestos vorazes
Tempo e espaço destrinchados pela audácia
De quem sabe ser atemporal o mínimo valor das coisas

Almas não são meras vias públicas
Corações são intensos locais de mudança
Pessoas nunca foram objetos
E viver é bem mais do que simplesmente respirar.

Palavras carregadas pelo vento
Tristemente em desacordo com atitudes
Sons, letras, sonhos dançando em frases soltas
Ruindo pouco a pouco, sob o peso do esquecimento.

Espíritos perseguindo as sombras da felicidade
Soluços guilhotinados pelas circunstâncias extremas
Extrema é a dor, eternal silêncio onde habita a angústia mais profunda
Lagos borbulhantes e irreais onde se afogam memórias e pensamentos.

Ame. Ande. Arrisque. Perdoe. Pense. Diga. Faça.
Mude, mas não iluda. Vista seus sonhos.
 Arme-se contra o passado e marche rumo ao futuro.
Não seja prisioneiro do tempo nem das circunstâncias.
O trem está nos trilhos, embarque.

Escreva você sua trajetória, não deixe a vida escapar entre os dedos.
Ela é mais insondável do que pode imaginar. Desfrute-a!
A verdadeira vida não é aquela que se vê no calendário.


Danilo Alex da Silva